Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes, em
17/04/2015.
Encontro com Núbia.
Por Petrônio Gomes.
Eu voltava para casa e Núbia vinha da sua. O encontro
aconteceu na calçada do Colégio Tobias Barreto, já pertinho da Academia
Sergipana de Letras, isto é, o local onde ficava a “rouparia” dos alunos
internos, quando lá estudei. Havia ali uma porção de carteiras com cadeados,
onde os alunos do interior guardavam seus pertences, inclusive uma ou outra
lata de doce remetida pela mamãe carinhosa.
Encontramo-nos, pois, na murada do colégio para um bate-papo
ligeiro, o que é muito mais gostoso do que um simples bom-dia rápido, por
obrigação. Eu tinha algo a dizer a Núbia e ela me abraçou de longe com os
olhos, logo que me reconheceu. Foi uma prelibação de confidências, uma série de
fuxicos a dois sobre tudo o que nos empolgava e também sobre tudo o que nos
maltratava.
Existem coisas que não podemos dizer aos quatro ventos, sob
pena de nos expormos à turbulência dos desentendimentos, alguns muito difíceis
de curar. E como são tantos os que não nos entendem, resta-nos o consolo de
saber que também nós não entendemos os outros.
Mas fazer do desentendimento um cavalo de batalha, isso é
perigoso. E existem pessoas assim, que pescam as conclusões em pleno ar e jogam
no ventilador os punhados de farinha. Daqui que a gente conserte os estragos, a
pressão arterial decola e o resto da paciência se evapora...
Enquanto Núbia falava e eu escutava, passaram por nós
vendedores de quase tudo, desde pipocas para os alunos do Colégio até as frutas
da estação, cujo visual colorido já serve de propaganda silenciosa. De repente,
tocou a sirena do Colégio e tivemos que aguardar. Francamente, era preferível o
pequeno sino que Mário, o porteiro, tangia, para marcar o horário de cada
expediente. Num instante, a gente pensa em mil coisas ...
Quando a sirena parou, Núbia começou a responder às minhas
perguntas mudas, pois conhece, muito mais do que eu, os segredos e as manhas da
terrinha. Já estávamos naquela idade precisa em que as coisas e as pessoas
ocupam o seu devido lugar. Os títulos, os adjetivos de festa, a “pompa e a
circunstância” servem apenas para ressaltar a verdadeira face de uma origem
mais inocente, mais simplória. Como são sábios, ditos em surdina, certos
apelidos!
A certa altura de nossa conversa, lembrei a resposta altiva
de Sócrates quando lhe mostraram os objetos luxuosos no mercado de Atenas :
“Quanta coisa que eu não preciso”.
Núbia Marques conhecia o meu apelido de infância, que nada
quer dizer, todavia. São apenas duas sílabas que alguém juntou com carinho ao
ver-me no berço, sorridente. Pertencemos a uma época em que os legítimos
valores eram tidos e respeitados como tais, sem favor algum, sob os aplausos
dos que tinham boa vontade.
Enfim, foi um encontro delicioso, ainda que breve. Em certo
momento, fiquei roído de inveja de Núbia por ela ter alcançado um pedaço do meu
sonho de jovem, um sonho que não contarei. Inveja misturada com alegria, sem
pecado.
Quando Núbia se afastou, fiquei por algum tempo recostado na
mureta do Colégio, pensando na vida. Tudo o que ela dissera era verdade, para
nossa alegria e para nossa tristeza também.
Tudo ela aproveita para escrever seus poemas, assim como eu
coleciono quadros da vida para as minhas tolices. Só não gostamos quando nos
interrompem bruscamente, de modo agressivo, como a sirena do Colégio...
Alguns meses depois deste encontro, Núbia Marques faleceu,
repentinamente. Como sempre nos acontece com notícias assim, meu primeiro
pensamento foi de recusa. Somente depois, começamos a colocar tudo nos lugares
que a Saudade reservou sem nos avisar. Com Núbia Marques, foi-se embora também
o meu apelido de infância...
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.
Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 18 de maio de 2015.
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