Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes. em
06/05/2015.
Uma de Sindulfo.
Por Petrônio Gomes.
Toda cidade possui os seus tipos notáveis, pessoas que se
destacam pelo modo de proceder, de vestir, ou, simplesmente, por um traço
físico diferente. Existem ainda aqueles que podem ganhar fama só pelo modo de
rir ou pelas respostas prontas e espirituosas diante de qualquer problema.
Os mais velhos poderão recordar agora uma figura de mulher
franzina, que saía vestida com uma porção de saias de uma vez, uma por cima da
outra, e que batia de porta em porta desejando todo o bem do mundo a quem lhe
ajudasse. Diziam uns que ela adorava todos os vestidos que possuía e não
gostava de deixar os outros em casa quando escolhia um qualquer. Chamavam-na
“Maria Inocentinha”. Ninguém a insultava, todos gostavam dela.
Havia também um pobre homem que andava com as calças
levantadas até à metade da canela, com barba de uma semana por fazer, e que
ganhava seus trocados graças à presteza com que dava recados. Naquela época, o
telefone era ainda um apetrecho digno de pena. Era mais fácil apelar para um
menino de recado, mas todos preferiam dar este encargo ao “Dr. Leandro”, que
saía em disparada para cumprir sua missão, indiferente ao desgaste que poderia
sofrer sua “posição” na sociedade. Pois ele mesmo havia escolhido este nome do
notável político sergipano, e assim contentar sua mente infantil dos anseios
fantasiosos próprios de sua enfermidade. Tal como “Maria Inocentinha”, o “Dr. Leandro”
não fazia mal a ninguém. Era um “homem realizado”, pois dizia a todo mundo que
possuía milhões de cruzeiros em cada banco da cidade...
E por que não falar no barulho incrível que certo homem
emitia depois de uma de suas impensáveis refeições, quando soltava o desabafo
explosivo do seu estômago, ao ver-se livre do turbilhão de gases? Era conhecido
por “Piaba”. Quem fosse ao Mercado Municipal em certas horas poderia ouvir,
mesmo sob constrangimento, a zoada patológica de “Piaba”. Até a fama tem falta
de gosto...
Mas todo este preâmbulo foi feito para apresentar um tipo
que se tornou um patrimônio da história da cidade, espécie de domínio público
das rodas de conversa, sempre a ilustrar acontecimentos corriqueiros da
sociedade. Era um comerciante chamado Sindulfo Fontes, dono de uma relojoaria
na rua de Laranjeiras, fronteira ao edifício dos Correios. Por sinal, na rua do
Município onde nasceu, berço de intelectuais do Estado. De Laranjeiras, disse o
dr. José Barreto Fontes, da mesma família de Sindulfo: “É a terra dos homens
ilustres. Lá nasceram João Ribeiro, eu e outros”.
Pois bem. A loja de Sindulfo refletia bem alguns traços de
sua personalidade, assim como os cômodos de uma residência refletem o zelo ou o
desleixo de uma dona de casa. Tudo era antigo na loja de Sindulfo e, como se
não bastasse, ele tinha o maior respeito por uma antiga teia de aranha que
ocupava grande espaço junto ao balcão, a partir do teto. Dizia ele que ninguém
tem o direito de destruir o que foi feito com tanto sacrifício.
Quando Sindulfo dizia o preço de um relógio ou de uma joia,
não admitia dúvida de quem quer que fosse. E todo aquele que pretendesse
comparar valores com os de outra loja, seria para sempre banido do seu rol de
clientes. Ninguém neste mundo tinha o direito de fazer sindicância de preços, a
partir da loja do velho Sindulfo.
Certa vez, num ano barulhento de eleições, quase todas as
lojas do centro da cidade foram invadidas por retratos de candidatos, uns
colados às paredes, outros pregados nas portas, na mesma febre de patriotismo
que estamos cansados de ver. Mas na casa de Sindulfo ninguém mandou colocar
retrato nem recado de mentira.
É que ele havia posto o seguinte texto na porta do seu
estabelecimento: “Este espaço está reservado para os candidatos burros e
ladrões”...
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.
Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 7 de maio de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário