Milton Coelho, militante da liberdade
Por Rian Santos (13.04.2010)
Símbolo, personagem, homem de carne e osso
Há quase 40 anos, no dia 20 de fevereiro de 1976, a Operação
Cajueiro deixaria uma marca indelével na história política de Sergipe. Para
alguns militantes da liberdade, no entanto, as cicatrizes seriam ainda mais
profundas, e acompanhariam o corpo maltratado pelos carrascos do golpe de 64
vida afora, pelo menos nos episódios em que restou vida. Esse é o caso de
Milton Coelho, que denuncia no passo claudicante que nos ofereceu a intimidade
de sua casa e de sua memória a mutilação de uma geração inteira.
O encontro foi mediado pelo Professor Dudu, presidente da
Central Única dos Trabalhadores, empenhado na construção de um Memorial
dedicado às atrocidades perpetradas pelo Regime Militar em Sergipe. O
sindicalista enxerga no exemplo de Milton Coelho muito mais do que o personagem
que as páginas de uma história que ainda está para ser devidamente contada se
encarregou de construir. Coberto de razão, Dudu encara Milton Coelho como um
verdadeiro símbolo.
Símbolo, personagem e homem de carne e osso, Milton Coelho
concorda com o jornalista Zuenir Ventura quando ele afirma que o ano de 64
ainda não acabou. Segundo ele, não é possível admitir mácula de sombra sobre a
História.
“Eu sou partidário de que é preciso identificar todas as
ocorrências. É preciso identificar todos os que participaram daquelas
atrocidades para que as novas gerações sejam municiadas e não permitam que tudo
se repita”.
As atrocidades que Milton Coelho menciona eram praticadas
com método. Ele conta que os jagunços envolvidos no desbaratamento da célula
sergipana do Partido Comunista Brasileiro (PCB), objetivo maior da Operação
Cajueiro, se esmeravam numa espécie de ritual.
“Quando levados pelos seqüestradores e entregues aos
responsáveis pela fase que antecedeu a formalização do Inquérito Policial
Militar, os presos políticos, que na maioria já tinha uma borracha circulando
os olhos, receberam “tratamento” de impacto, começando pela troca da roupa que
vestiam por um macacão com um número no peito e colocação de um capuz. Aqueles
que eram considerados mais comprometidos na organização da resistência à
ditadura militar receberam o que era chamado de “tratamento especial”,
incluindo torturas com a cabeça emergida em depósito com água, por várias
vezes, pontapés nas costelas em ambos os lados, choques elétricos nas mãos e no
pênis, além da ameaça de provocarem “suicídio”, quando, circulando uma corda
nos tornozelos do preso, afirmavam que iriam suicidá-lo”.
O próprio Milton Coelho foi objeto do ritual macabro, e
carrega na carne as marcas da violência. Além de cicatrizes e uma costela
quebrada, ele foi condenado a tatear o mundo pelo resto de seus dias. A retina
deslocada, responsável por uma deficiência visual que até hoje não conheceu
cura, lhe impôs prejuízos econômicos e dificuldades pessoais, mas não abateram
seu interesse pela vida.
Atento e forte, Milton Coelho acompanha as transformações da
conjuntura política e acredita que, a despeito de incoerências pontuais, o
campo político da esquerda precisa se manter unido para garantir os avanços necessários
à manutenção da democracia.
Com o mesmo objetivo, a Sociedade Semear abriga, próximo dia
20, um debate a respeito da Comissão da Verdade, com a presença de Milton
Coelho, além do advogado Cézar Brito e do professor Rui Belém.
Nas palavras do próprio Milton, “Nós temos uma população
que, infelizmente, ainda não tem consciência política. Isso pode facilitar o
retrocesso. A minha preocupação consiste em não dar chance aos inimigos dos
trabalhadores e da liberdade”. *
*Texto e foto reproduzidos do blog
spleencharutos.wordpress.com
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 22 de julho de 2012.
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