Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes, em
18/02/2015.
O Mercado.
Por Petrônio Gomes.
Creio poder incluir-me entre os que podem falar com base, a
respeito do nosso Mercado Municipal, já pelos invernos que juntei até agora, já
pela experiência adquirida, pois minha infância e meus primeiros anos de jovem
estudante decorreram nas vizinhanças do Mercado, quando ainda existia o saudoso
Colégio Nossa Senhora de Lourdes, do qual tenho a honra de ter sido aluno,
embora numa idade em que não sabia onde estava e nem o que estava fazendo.
Fui um dos pequenos fregueses do seu Sérgio, que vendia o
caldo de cana mais delicioso de Aracaju, com seus copos de vidro grosso que
descansavam na parede, enfiados num paliteiro de madeira. Fui também o cliente
assíduo do seu Xavier, um velhote simpático e falador, quase do meu tamanho,
que gostava de me afagar a cabeça quando me entregava o pacotinho de bombons de
mel de abelhas.
Ao contrário do seu Sérgio, o velhote Xavier vendia de tudo
em sua loja. Era engraçado como se arrumavam as mercadorias em todas as casas:
vassouras amarradas junto da porta de entrada, rolos de arame no chão, latas de
querosene também à vista, lampiões dependurados, além de um pequeno armário com
portinha de vidro sobre o balcão, para os artigos comestíveis, incluindo os
meus bombons. Enfim, eu sabia onde ficavam as lojas do meu interesse exclusivo,
como a que vendia as flechas dos meus papagaios de papel e as pequeninas bolas
de vidro para o jogo do “marraio”...
Aquele relógio central do Mercado, que felizmente não
demoliram, era o meu companheiro, desde a hora em que eu recolhia o velocípede
e os seus quatro mostradores se iluminavam para a vigília silenciosa da noite.
Ele informava as horas com uma precisão que vocês não iriam acreditar se eu
lhes contasse!
Quando a tarde começava a declinar, meu passatempo favorito
era acompanhar a chegada dos saveiros, com suas velas enormes, oscilando sobre
a água, brinquedos do vento. Sentado sobre a balaustrada, um pacote de roletes
de cana em punho, eu assistia à derradeira manobra dos tripulantes para amarrar
os pesados barcos no cais.
Pouco depois, era a hora da descida das portas de ferro do
Mercado, um ritual melancólico e silencioso como o cair da tarde. Cansados da
lida, os feirantes se despediam uns dos outros, arrastando os calçados gastos
em direção de casa. Quando a noite descia, apenas o relógio espalhava a sua luz
tênue sobre os telheiros do Mercado.
Voltando a Aracaju, muitos anos depois, continuei a visitar
frequentemente o Mercado, pois minha vida continuou girando em torno do mesmo
ambiente, se bem que agora modificado. A cidade havia crescido mais do que eu
poderia imaginar e seus habitantes haviam dobrado de número. Por uma curiosa
ironia, voltei a percorrer os mesmos lugares de antes, quando menino, só que
agora levado pelo dever e por outros motivos. Assisti, portanto, ao início da
decadência do velho Mercado, como se ele estivesse esperando meu regresso para
começar a morrer.
Foram-se avolumando os problemas, cada vez mais
desafiadores. Conheci de perto o dr. Aloísio Campos, homem ilustre e de poucas
palavras, o criador do Ceasa, a primeira tentativa séria para descongestionar o
antigo ponto de abastecimento da Capital. Para solucionar o problema do
Mercado, a providência teria de ser das mais enérgicas, pois toda a área em
volta já exigia um desafogo para o trânsito, de vez que as barracas e as bancas
improvisadas já se haviam esparramado pela redondeza.
O epílogo de toda esta história é conhecido dos aracajuanos.
Na gestão do Prefeito João Gama, o novo Mercado foi erigido “na marra",
como diz o povo. E não era possível esperar “consenso” , como não se pode
aguardar bom tempo para uma cirurgia de vida ou morte.
Novamente fui o espectador silencioso dessa operação radical
a que foi submetido o “Thales Ferraz”. Um dos espetáculos gratuitos foi a fuga
das ratazanas, aos milhares. Toda a imundície que se havia enterrado entre as
velharias do Mercado foi, aos poucos, desaparecendo. Um novo trecho do rio
Sergipe, exatamente o mais poético, o mais pitoresco, apareceu diante dos olhos
dos aracajuanos. Aliás, o mais velho trecho do rio, que permaneceu oculto
durante dezenas de anos.
Mas não faltaram reclamações e protestos contra a reforma do
Mercado Municipal. Quando foi inaugurado o ponto das lanchas para a Barra dos
Coqueiros e Atalaia Nova, o "Terminal Hidroviário", a mesma onda de
protestos choveu sobre a cidade. Queriam que os “tototós” continuassem, pelos
séculos dos séculos, pois as lanchas viriam roubar o pão dos pais de família
que exploravam suas canoas, há duzentos anos. Com tal mentalidade, Aracaju
alcançaria 3 milhões de habitantes comprando no Mercado que foi construído na
fundação da cidade e viajando para a Barra dos Coqueiros a bordo dos mesmos
“tototós”.
Talvez tenha sido por absoluta falta de paciência que nunca
me candidatei a cargo político...
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 21 de fevereiro de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário