Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes, em
28/01/2015.
Dom Luciano.
Por Petrônio Gomes.
Podemos crer que tudo já foi dito a respeito do nosso
Arcebispo emérito, quanto à sua brilhante carreira e à sua inestimável atuação,
como religioso e educador, em prol de Sergipe. As penas mais brilhantes que
enaltecem nossas letras recapitularam os passos de sua admirável trajetória e
teceram os justos e devidos encômios ao seu magnífico trabalho. Se espaço
houver, entretanto, para mais uma homenagem ao ilustre aniversariante,
desejaria ilustrar meu grande abraço de parabéns com uma simples crônica que
lhe ofereço, fruto que tirei de minhas caras lembranças.
Certa vez, abordei Dom Luciano para fazer-lhe um pedido.
Como responsável pela programação da “escolinha” do Cursilho, eu precisava
agendar uma palestra para a segunda-feira seguinte e já era a noite de
sexta-feira. Ele tirou uma caderneta do bolso, escreveu a data do compromisso e
me perguntou qual o tema da palestra. “Satanás”, respondi. Ele riu e aceitou.
Era a primeira vez que no Cursilho de Cristandade alguém pedira a um bispo para
falar do diabo.
Na noite da segunda-feira, o salão do Cursilho estava lotado
e eu já sabia disso. Dom Luciano chegou, fez a prece costumeira e tomou a
palavra. Durante uma hora e vinte minutos, não se ouvia um ruído sequer na
sala. Muitas pessoas haviam chegado de outros ambientes, lá nas dependências da
Rádio Cultura, e não havia assentos para todos.
Fiquei observando a plateia, pois eu me encontrava de frente
para o público, fazendo parte da mesa. Todos estavam como que dominados pela
exposição do tema. Dom Luciano ia e vinha através dos textos sagrados, com
aquela sua invejável facilidade de expressão. E todos saíram com uma verdade no
espírito: "Quem não crê em Satanás, está francamente do lado dele..."
Fui aluno da Faculdade de Filosofia, da querida Faculdade
que ele desenhou e construiu. Ela estava novinha em folha, ainda com aquela
felicidade de debutante, mergulhada no entusiasmo quase infantil dos alunos e
professores. Certo dia, Don Luciano nos deu um presente de rei: entrou na
Faculdade com um visitante que ninguém conhecia. Reuniu todos os alunos e
anunciou uma palestra que ouviríamos em seguida. Sabem quem era o visitante? O
Professor Mello e Souza, o famoso “Malba Tahan”, autor de “O Homem que
Calculava”, “À Sombra do Arco-Iris” e de tantos outros livros que empolgaram
meus dias de menino. Foi uma ocasião inesquecível. Pouco depois, o Professor
Mello e Souza viria a falecer, parece que em Fortaleza.
Dom Luciano fez da Rádio Cultura o seu púlpito, com
programas diários que apresentava às 6,30h, além da grande apresentação
dominical, com a Santa Missa e a Hora Católica, às 12,30h. Eu prestava
assistência ao “Café Aragipe”, de Theódulo Cruz, já falecido. Na hora do programa
matutino, o balcão da lanchonete vivia cheio de fregueses. Um desses fregueses
era um protestante de mão cheia, mas que se empolgava, como todos os outros,
pelas imagens que Dom Luciano criava. Certa vez, quando Dom Luciano se
despediu, ele pagou o café e nos disse: “Sabe de uma coisa? Esse bispo ainda
termina me convertendo." Contei esta passagem a Dom Luciano, que riu a bom
rir.
Fui colega de profissão de Carlos Cabral Duarte, seu irmão.
Assisti ao sepultamento do seu pai, José Góes Duarte e de seu irmão. Ouvi
quando ele cantou a oração de São Francisco, no cemitério, diante do ataúde,
com a voz inflexível de homem de fé.
Mas nosso Arcebispo era também o homem de atitudes firmes,
diante de certas circunstâncias. Costumava viajar pelo interior do Estado, em
obediência à sua tarefa social. E, passando pelas vizinhanças de São Cristóvão,
via aquela série de ‘motéis” espalhados pela rodovia. Repugnava-lhe, como
pastor de almas, aquele descalabro. Uma vez, durante o programa da Hora
Católica, ele não se conteve: "Que a maldição de Deus caia sobre aquilo.”
Resistiu também, de viva voz, quando foi praticamente afrontado por militantes
de uma seita, no interior do Estado.
Há uma ira santa, e Dom Luciano tinha, às vezes, esse rubor
que não pode deixar de existir na alma dos zelosos de Deus.
Recebi dos meus filhos o presente inestimável de uma viagem
à Europa. Levei na bagagem um roteiro que escrevi cuidadosamente, baseado, em
muitos pontos, nas aulas de Dom Luciano. Foi por sua influência que fiz questão
de visitar Chartres, lembrando uma frase que ele nos disse: “Os operários
trabalharam lá em estado de graça, e a gente sente um impacto quando penetra em
seus umbrais...”
Receba, meu caríssimo Dom Luciano Duarte, este meu grande
abraço pelos seus noventa anos. Obrigado por suas palavras, pelo seu trabalho,
por cada homilia proferida em sua querida Igreja do São Salvador. Tenho plena
certeza de que, se ainda estivesse em seu poder tomar do microfone para
responder aos artigos que foram escritos em sua homenagem, todos ficaríamos
silenciosos como sempre...
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 3 de fevereiro de 2015.
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