Uma teoria da história no “discurso” de Sílvio Romero*
Muita tinta já se gastou para traduzir as noções de Silvio
Romero a respeito de literatura, filosofia, direito e história em solo pátrio.
Pode-se mesmo dizer que muito tempo e bastante esforço foram consumidos para
aprisioná-lo em determinado cânone, paradigma etc. E o resultado desses
empreendimentos? – Contradição e mudança são os traços dominantes da sua obra,
concluem os estudiosos.
Demasiadamente humano, o dr. Silvio enfrentou tantas
batalhas que as mais razoáveis explicações para a sua inusitada trajetória
intelectual foram expressas em fórmulas metafóricas, como essa de Antônio
Cândido – Sílvio Romero representa um flagrante da “imagem nervosa do país”
(1978, p. XII); ou a conclusão witeana de Roberto Ventura – a obra literária de
Sílvio Romero está marcada pela tensão “entre o mito épico e o mito trágico”
(2001, p. 21). Tais comentários fazem lembrar o velho Michelet, capturado por
Roland Barthes como um “escritor predador”, “voraz”, um grande “comedor de
história” (1991, p. 15-22).
Uma mostra desse demasiadamente humano está nas posições
sustentadas sobre a história. Aí também o papa-jaca variou, pelo menos, quatro
vezes, num período de quatro décadas.
Se nos ativermos, apenas, à história-saber, que resulta no
documento textual escrito – o livro de história –, veremos que o lagartense a
concebeu, inicialmente (1874), como ciência, e ciência expressa em leis, ao
modo comteano. Em seguida, zombando de seu examinador em concurso para a
cadeira de Filosofia do Colégio Pedro II, Sílvio Romero assegurou para a
história o status positivo de ciência. Na tese “Interpretação filosófica dos
fatos históricos” (1880), a história seria mediada pela combinação de dois
determinantes: as forças naturais e as forças humanas, à maneira do britânico
Henry Thomas Buckle.
No ano de 1888, Romero já era crítico consagrado. O
coroamento da carreira se deveu à produção de sua História da literatura
brasileira, onde a escrita da história, deveria incorporar os elementos de
ordem física, biológica e histórica (naturais, étnicos e morais) sob a
orientação de outro inglês de renome, Herbert Spencer.
Com o fim da monarquia, reformas escolares foram programadas
e lá estava o nosso Romero a contribuir, novamente, defendendo a permanência da
história como disciplina escolar dos estudos secundários. A idéia de história
como ciência permanece. Mas, contrariando a orientação spenceriana, Clio não
passeia de braços com as línguas e literaturas: a história é prima dos grupos
matemático e físico-natural. (cf. Romero, 1901).
Fiquemos, apenas, com a primeira idéia de história. Ela foi
anunciada no Discurso proferido na Assembléia Provincial de Sergipe em 1874. Na
ocasião, Romero saudava a iniciativa local de premiar o escritor da primeira
síntese sobre a história de sua pátria (Sergipe). Mas, emendava a proposta,
tornada resolução em 1860. Deveria ser uma obra científica. Uma escrita que não
se sustentasse apenas nos “brilhos de estilo e de eloqüência” dos
“historiadores literatos” franceses e que não se resumisse à crônica praticada
no Brasil – que não partilhava, sequer, dos recursos retóricos de escritores
românticos do porte de Guizot, Thierry e Michelet.
A crítica de Romero tinha endereço certo: os trabalhos de
João Manoel Pereira da Silva e de Francisco Adolfo de Varnhagem, iniciadores da
novela histórica no Brasil, respectivamente, em 1839 e 1940. (cf. Rodrigues,
1982, p. 179). Hoje, sabemos que o crítico poderia ter alguma razão sobre o
primeiro – glosador assumido da História da América Portuguesa (Sebastião da
Rocha Pita) e de todo um modo academicista português de escrever a história no
século XVIII. (cf. Silva, apud. Campos, 1991, p. 269). Mas, exagerou em relação
à História geral do Brasil, de Varnhagem, uma obra legitimada até mesmo por seu
parceiro na demolição da história não cientificista no Brasil, Capistrano de
Abreu.
A crítica de 1874 migrou para a célebre História da
literatura (1888). Mas, em Sergipe, as orientações positivistas não foram
incorporadas pelos escritores de então, alguns dos quais presentes à sessão de
1874. Não houve quem se habilitasse a escrever a história de Sergipe em seis
meses e ganhar os seis contos de réis ofertados – sequer nos padrões da velha
crônica criticada por Romero.
Em nível nacional, também não se conhece, pelo menos até o
início da década de 1880, um historiador que tenha sintetizado a história do
Brasil em moldes comteanos. Isso torna o discurso de Sílvio Romero ainda mais
instigante.
Considerações extemporâneas – Em 1874, a hegemonia cultural
da França estava abalada com a recente derrota na guerra contra a Alemanha. Os
próprios historiadores franceses – Gabriel Monod é o grande exemplo –, ao
reivindicarem um estatuto de ciência para a história naquele país, punham os
olhos na Alemanha, onde a produção científico-literária baseava-se nas
universidades, ao contrário do domínio francês, cujo trabalho intelectual
dependia da magistratura, do clero e das academias de eruditos. (cf. Monod,
1876).
Dois anos antes do “manifesto” (1876) de Monod, Sílvio
Romero também reivindicava uma história científica para Sergipe e para o
Brasil. Curiosamente, porém, recrutava para a tarefa um francês – Augusto Comte
– “inservível” aos seus patrícios no processo de profissionalização do
historiador. Onde estaria, finalmente, o germanismo de Romero apreendido no
ensino secundário do Rio de Janeiro, no final da década de 1860? Da história,
ao que se sabe, ele ficou muito distante.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Uma teoria da história no discurso de
Sílvio Romero. A Semana em Foco, Aracaju, 23 jan. 2005.
Este artigo foi publicado no livro Historiografia sergipana.
Para ver sumario desta obra, acesse:<
http://itamarfo.blogspot.com/2010/11/historiografia-sergipana.html >.
Fonte da imagem
Silvio Romero - <http://www.revistabula.com/>. Acesso
em, 8 dez. 2010.
Postagem original na página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 3 de Novembro de 2012.
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