Publicado originalmente no Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.
A Parada Que Parou.
Por Petrônio Gomes.
Quando para cá voltamos, nossos filhos primeiros eram
pequeninos, naquela idade em que sempre aparecem maravilhosos em qualquer
fotografia. Olhar velhos retratos é, para mim, uma alegria e, ao mesmo tempo,
uma prova difícil para o meu temperamento, que me faz rir e chorar por dentro,
muitas vezes sem que ninguém perceba.
Em uma dessas fotografias, aparece nosso primeiro filho,
Ricardo, hoje nos braços de Deus, por ocasião de uma festividade no Jardim de
Infância. Não posso ouvir falar em “Jardim de Infância” sem que me venha à
mente o nosso Jardim, fundado pelo General Maynard, um gracioso conjunto de
chalés em pleno coração da cidade, com área para o recreio e salas para os
“estudos” da petizada...
Um Jardim de Infância é, na verdade, o colégio mais
importante para os nossos filhos. Lá se ensina a matéria mais difícil, aquela
de que iremos precisar até o fim dos nossos dias, e que nos é ensinada através
dos brinquedos e dos abraços de mãe, o equipamento profissional de todas as
suas professoras. Essa matéria chama-se "convivência" e o
aproveitamento deverá sair através das brincadeiras, das brigas infantis, da
paciência de quem está também começando a ensinar a partir da raiz de cada
alma.
Era a diretora do Jardim a saudosa “Bebé Tiúba”, a quem
entregamos o cuidado de nossos dois primeiros filhos. E foi no dia da
Independência, 7 de Setembro de 1957, que Bebé ganhou o espaço da manhã para
exibir o patriotismo dos seus pequeninos alunos, pois nesse tempo o desfile dos
meninos do Jardim de Infância costumava abrir as comemorações do dia da Pátria.
Muito cedo, antes das oito horas, já havia a luta começado.
Dezenas e dezenas de mamães, dezenas de professoras, unidas e solidárias pelo
trabalho insano, haviam conseguido reunir a meninada na rua de Pacatuba. A
banda da Polícia Militar, submetida aos mais drásticos dos sofrimentos,
esperava, com paciência indescritível, a ordem de atacar o dobrado militar.
Bebé arranjou um carneiro, não sei de onde, e fez dele a
mascote da parada do Jardim, que era conduzido por um pirralho que nada
entendia de Independência nem da razão pela qual fora designado a introduzir o
desfile do Jardim.
Poucos minutos antes da parada, ainda havia garotos
chorando, garotos pedindo merenda, garotos querendo voltar para casa. As mães
iam e vinham, as professoras iam e voltavam, os soldados da banda enxugavam o
suor do rosto, finalmente, puseram-se em marcha. A banda da Polícia Militar
atacou o “Cisne Branco”, em compasso consentâneo com os passos infantis e com a
ajuda displicente do carneiro, todo fantasiado de verde e amarelo, que
comandava o pelotão principal.
As crianças saíram do Jardim, seguidas pelas mães, que
também desfilavam nas calçadas, de um lado para o outro, ansiosas, trazendo
sacolas de merendas, de roupas para a troca de emergência, olhos fitos nos
respectivos pimpolhos. Desceram pela rua de Pacatuba e seguiram para a Praça
Fausto Cardoso, para a grande exibição junto ao palanque do Dr. Leandro Maciel,
o então governador do Estado.
O carneiro seguia de cabeça baixa, resignado, com suas fitas
auriverdes no pescoço felpudo. Mas assim que alcançaram a praça Fausto Cardoso,
aconteceu o inevitável. Ora, o carneiro estava habituado a comer a grama verde
da praça Camerino, exatamente àquela hora da manhã. Quando ele olhou para a
direita e avistou o relvado da praça Fausto Cardoso, muito mais verde, muito
mais apetitoso, ele baixou a cabeça e sem se lembrar da data magna da pátria,
marchou para a direita, em direção ao suculento prato que estava à vista,
obrigando o pirralho que o conduzia a correr também. Os garotos do primeiro
pelotão, todos de bicicleta, acompanharam o carneiro, enquanto as mamães e as
professoras atiravam os braços para os céus e Bebé Tiúba, aflita, não sabia a
quem pedir desculpas pelo fracasso de sua participação nos festejos de nossa
Independência...
Mas o que se seguiu foi a risada do governador do Estado, lá
do alto da sacada, aplaudindo a desibinição maravilhosa dos meninos, num
espetáculo de doce espontaneidade, que conseguiu quebrar o frio protocolo e
trazer à tona o que de mais puro existe em todos os corações.
Foi a “parada” mais saborosa, mais patriótica que já vi na
minha vida. Só não sei, até hoje, de onde veio aquele carneiro, que preferiu o
verde verdadeiro da grama dos jardins ao verde das fitas que lhe amarraram ao
pescoço...
Foto e texto reproduzidos do Facebook/Fan Page/Petrônio
Gomes.
Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 13 de abril de 2015.
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