Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes, em
22/01/2015.
Uma Caixa de Sapatos.
Por Petrônio Gomes.
Outros colégios, administrados por religiosas, também
existiram em Aracaju, mas o Colégio Nossa Senhora de Lourdes ficou conhecido,
por excelência, como o “Colégio das Freiras”. Não vingou, por exemplo, o nome
de Deusdedith Fontes para o Beco do Açúcar. Outras gerações virão, e somente o
tempo, o formidável tirano, tem o poder de transformar os costumes.
Aterrorizado, fui conduzido para a sala onde deveria passar
meus primeiros tempos de convivência com a vida estudantil. Que me dizem as
lembranças hoje, depois de tantos anos? Não me recordo de nossa sala de aula.
Vejo-me recolhido a um canto, intimidado, observando o vozerio das moças, que,
no final de contas, constituíam o corpo discente do colégio. Olhavam-nos
maternalmente, encasteladas na importância dos seus treze ou quinze anos.
Vejo-me, também, segurando uma bandeira, com a maior
compenetração deste mundo, nas vizinhanças do altar mor, durante uma missa
festiva. Recordo a entrada das freiras, que emergiam de um corredor misterioso,
contritas, no mês das ladainhas. E, particularmente, de uma delas, chamada Irmã
Luzia. Porque ela era a encarregada de nossa sala. Nós, os únicos varões que
estudavam no colégio, ou que aprendiam como se deveria estudar. Era, na
verdade, um curso infantil, que Irmã Luzia estava encarregada de dirigir.
A recordação seguinte, a mais forte, tem relação com uma
festa em que tomei parte, vestido de caipira, tangendo a esmo as cordas de uma
pequena viola, comprada com carinho no Mercado. Fomos aplaudidos e descemos do
palco, certos de que festa não tinha mais graça, dali por diante...
Depois, já grisalho, voltei ao Colégio. Fui recebido pela
superiora, que me acolheu ternamente. Conduziu-me através do mesmo corredor
misterioso, uma simples via de acesso ao refeitório das religiosas. Como se
esfumam as imagens da infância! Depois, desci as escadas que conduzem ao pátio
interno, e, não sei por que razão, segui em frente, em direção a uma pequena
sala, quase que isolada das demais. Na soleira da porta, a brindar-me com seu
mais doce sorriso, vi Irmã Luzia. O que faltava no fio das minhas recordações,
ela completou, unindo velhas cadeias dispersas. Contou-me quantos éramos, e
alguns nomes ressoaram, subitamente, em minha memória: Lupicínio, Wanderley,
José Amilcar, Walter...
Momentos mais tarde, Irmã Luzia procurava qualquer coisa em
um velho armário. Volta com uma caixa de sapatos, cuidadosamente amarrada, como
quem guarda um tesouro. Abriu-a, carinhosamente. E suas mãos, as mesmas que
afagaram nossos cabelos em criança, começaram a tirar nossas velhas
fotografias, uma por uma. Retratos antigos, empalidecidos pelos anos, mas tão
queridos!
Com orgulho maternal, exibiu-me as imagens de cidadãos
empertigados de hoje, de gente que nunca mais voltou a Aracaju e até de gente
que já se fora deste mundo. Cofre de recordações preciosas, furtadas à ação do
tempo, estreitadas contra o peito, com ciúmes de tudo e de todos. Amarrou,
novamente, a velha caixa de sapatos, depois olhou-me, com seus belos e grandes
olhos de mãe, e nos abraçamos.
Há momentos em que não podemos articular uma só palavra.
Aquele foi um deles. Ela deve ter sentido a presença de algumas lágrimas que
não consegui reter.
É bom saber, na idade madura, que ainda moramos numa caixa
de sapatos...
Texto e imagem reproduzidos da página do Facebook/Petrônio
Gomes.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 27 de janeiro de 2015.
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