Foto: Fredson Navarro/G1.
Publicado originalmente no site G1 SE, em 02/12/2014.
Araripe Coutinho recorda momentos com Déda e presta
homenagem
Déda partiu num alazão da noite, cujo nome é raio, raio de
luar, diz poeta.
Governador morreu no dia 2 de dezembro de 2013.
Do G1 SE
Nesta terça-feira (2) completa um ano da morte do governador
de Sergipe Marcelo Déda. Ele faleceu aos 53 anos no Hospital Sírio-Libanês, em
São Paulo, onde estava internado para tratar de problemas decorrentes de câncer
no estômago e no pâncreas. Ele lutava contra a doença havia quatro anos.
Uma missa será celebrada pelo padre Peixoto a partir das 19h
desta terça-feira (2) na Igreja Jesus Ressuscitado em Aracaju, pela passagem do
primeiro ano da morte do governador.
O poeta, escritor e jornalista Araripe Coutinho recorda a
data fazendo uma homenagem. Confira na íntegra:
Déda: foi ontem
Um ano de adeus. Lágrimas não cabem neste adeus. A imagem
que me vem é de Eliane Aquino que sempre me beijou com amor de mãe. No Sírio
Libanês, na porta do hospital, não me deixaram entrar. Eu também não
aguentaria. Deixava flores, bombons e cartões no seu prédio. A sua mulher deve
ter recebido tudo. Parece que foi ontem. Com Rose Nascimento, amiga de Déda,
jantamos e pedimos que colocasse um prato para ele. Rose declamou pra mim
“Lázaro: obra prima. Chorei, pedi pra ela parar, quase gritando pedi um
amarula. A noite foi descendo: eu Lázaro, eu Maria Madalena. Cristo cai pela
terceira vez.
"O tempo escreve com as linhas tortas do meu rosto a
certeza da finitude e os homens não param de bater à minha porta para saber o
que pensam que sei. Como um fantasma teimo em estar entre eles. Estou só e sou
único sob os céus que alevantastes".
"Então, aos pés das muralhas, ouvindo Pedro,
compreendi: ressuscitastes, Senhor, mas não ficastes aqui para enfrentar a
marcha dos dias, acompanhar a falência das horas, e o drama dos ocasos quando o
céu do deserto se ensanguenta para dar passagem à noite - voltastes ao Pai e
destes fim à solidão do Deus de Israel. Mas, perdoa-me, Rabi, deixaste-me aqui
com o fardo do ressurrecto que não mudou sua condição mortal nem reinventou a
fortaleza da carne nem se livrou da angústia da morte - condenado a cumpri-la
duas vezes."- do "Lázaro", de Marcelo Déda.
Fiquei a lembrar da vez que me recebeu em seu gabinete,
mostrando-me o acervo riquíssimo de Florival a Jenner, quadro por quadro, na
parede, e eu me sentindo todo importante com todo mundo olhando. Quem é
“essezinho”? Depois nos sentamos e ele estava lindo, normal, calmo. O fantasma
da ópera não tinha aparecido ainda. Lembrei da sua fidelidade a Oliveira Junior,
a quem chamou na minha audiência. Rode o livro do poeta e assim foi feito. Ele
adorava Oliveira Jr.
Na imagem de 1 ano de partida, vejo a figura de Eliane
Aquino e com ela me lembro de Maria. “Junto da Cruz de Jesus estavam sua mãe, a
irmã de sua mãe, Maria, mulher de de Cléofas, e Maria de Magdala. Ao ver sua
mãe e, junto dela, o discípulo que Ele amava, Jesus disse a sua Mãe: “Mulher,
eis aí o teu filho”. depois disse ao discípulo: “Eis aí a tua mãe”. E, desde
aquela hora, o discípulo recebeu-a em sua casa. Depois, sabendo que tudo estava
consumado e para que se cumprisse a Escritura, Jesus disse: “Tenho sede”.
Estava ali um vaso cheio de vinagre. Embeberam uma esponja no vinagre e,
fixando-a a um ramo de hissopo, levaram-Lha à boca. Quando Jesus tomou o
vinagre, disse: “Tudo está consumado”. E inclinando a cabeça, rendeu o
espírito.” Todo o sacrifício e resignação foi para Eliane Aquino, que como
Jesus deve ter dito, no fundo do seu coração: “Eloi, Eloi, lamma sabacthani?
Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Assim vejo Eliane Aquino, a quem
aprendi a amar em silêncio, a quem nunca pedi nada. Cristo cai pela terceira
vez.
A vida crucis de Eliane Aquino a fez melhor pessoa, melhor
gente, melhor mulher. Déda nunca escondeu seu filho especial, de mesmo nome
dele, ao contrário de Jô Soares, que nunca quis mostrar o seu, enquanto Diogo
Mainardi escreveu “A Queda’, em homenagem ao filho com paralisia cerebral.
Nunca Déda me viu para não me homenagear.
“Está o poeta ali com sua Louis Vuiton.Um boné que ganhei de
Clodovil. Ele era de uma percepção única e um bom gosto irreparável.Tudo está
consumado. Parece que foi ontem. Agora enquanto escrevo as três da manhã. choro
copiosamente. Não tive forças, pela minha doença, de ir ao funeral do
rei".
“De repente do riso fez-se o pranto silencioso e branco como
a bruma?E das bocas unidas fez-se a espuma. E das mãos espalmadas fez-se o
espanto. De repente da calma fez-se o vento, que dos olhos desfez a última
chama e da paixão fez-se o pressentimento. E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente. Fez-se de triste o que se fez amante e de
sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante. Fez-se da
vida uma aventura errante. de repente, não mais que de repente.” Nosso poetinha
Vinicius de Moraes.
Nos meus alfarrábios meticulosos fui encontrar o texto do
ex-bispo auxiliar de Aracaju. Assim falou Dom Henrique Soares da Costa “Convivi
com Déda muito pouco, mas ele sempre me fascinou desde que o conheci. Ele foi
um homem que buscou a vida toda o sentido das coisas. Déda tanto em nível
pessoal, humano como no nível do fazer político, sempre procurou o sentido das
coisas e ser fiel a esse sentido.
Era um peregrino, um mendigo do sentido. Ele não se
contentava. Sentia isso nele, não se contentava apenas no fazer, mas num fazer
que brotasse de um sentido. Quando soube da doença dele a minha maior
preocupação era essa que sentido ele daria a essa doença e a sua morte. Porque
este é o desafio da vida da gente, porque somos capazes dos maiores
sacrifícios, das maiores dores se a gente encontrar o sentido.
Mas se o homem não encontrar o sentido ele desaba, não
suporta. E Déda era inquieto e ativo, um homem de reflexão e minha preocupação era
essa. Por isso tive um grande consolo, uns quinze dias antes da morte dele tive
no Sírio, quando segurei na mão dele e perguntei: Déda já encontrou o sentido
para isso? E encontrei um homem em paz, em paz com sigo, com a história que
construiu e em paz com Deus. Déda morreu diante de Deus. Ele não só morreu
fazendo as contas com o passado dele, não só morreu fazendo as contas com a
história pessoal e política dele, certamente é uma história superavitária.Déda
soube viver, mas já era um homem que se olhava diante da eternidade.
Quando o encontrei era um homem que já estava como alguém
que toma um barco levanta a âncora, corta a corda e tudo vai tomando distancia
e vai vendo tudo sob uma nova perspectiva. Déda morreu já vendo tudo que ele
tinha vivenciado na perspectiva da eternidade. Por isso morreu maduro.
Por isso morreu não como alguém que é colhido de surpresa
pela morte, mas como alguém que morreu dizendo eu sei o que vivi e agora
entrego a minha vida. Isso me emocionou muito foi um encontro muito bonito com
Déda. Dou esse testemunhou que esse é um desafio de todos nós, meu como bispo e
de todos vocês. Dar um sentido a vida, porque a vida passa. E triste de nós se
na nossa hora de ir não tivermos a graça de termos um sentido.
Que Deus acolha e certamente o acolheu. E que Deus nos ajude
a mim e a vocês a encontrar e viver de modo coerente com este sentido. Acho que
é um dos grandes legados de Déda isso transpira em tudo que ele fez no homem
político, no poeta, no ser humano que foi. Com a morte os sergipanos como de
repente viram o homem que os liderava. Mas tudo por causa do sentido. Que nós
sejamos como ele: mendigos buscadores do sentido.”
Assim como diz Thomaz Man de “Morte em Veneza”, “O homem é
essencialmente um enfermo” no livro “A montanha Mágica”. Agora eu me permito
transmutar do corpo e abraçar a Eliane e toda a família. Foi ontem sim. Foi
hoje. Será sempre. Lázaro curando as feridas. Ressuscitado por Cristo. Déda
partiu “num alazão da noite, cujo nome é raio, raio de luar.”
Texto e imagem reproduzidos do site: g1.globo.com/se
Postagem originária da página do Facebook/Grupo MTéSERGIPE, de 2 de dezembro de 2014.
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