Manchete de jornal noticia os ataques. (Fonte:
terra.com.br).
Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - 19.08.1942.
Fonte: u-507.com.br
O Ánibal Benévolo. (Fonte: infonet.com.br).
O Araraquara, náufragos do Baependi viram a explosão e o seu
afundamento.
Fonte: infonet.com.br/
O Baependi - 270 mortos no seu naufrágio.
Fonte: infonet.com.br
O U-507, submarino
alemão do Tipo IX tinha grande autonomia.
Era composto por tripulação de 53
homens, podia levar até 12 torpedos,
possuía seis lançadores de torpedos, sendo
que dois eram na popa, tinha ainda:
um canhão de 20mm, uma metralhadora
antiaérea de 7,9mm e um canhão na proa de 105m.
Fonte: cafehistoria.ning.com
Publicado originalmente no Blog 'Mar do Ceará', em
29/08/2014.
Agosto de 1942: Memórias da Guerra Submarina na Costa de
Sergipe.
Por Paula Christiny
A Segunda Guerra Mundial, muito mais que um conflito
europeu, foi um conflito “global”. O intuito desse texto é mostrar experiências
vivenciadas por nordestinos durante esse conflito e também apontar pesquisas
mostram que durante os combates não se destacou apenas a batalha naval em si,
mas a forma como a população costeira respondeu aos atentados no mar.
Sucessivos afundamentos de navios brasileiros foram registrados em águas
internacionais ao longo da Segunda Guerra Mundial. Na costa brasileira o
litoral de Sergipe foi palco de investidas nazistas entre os dias 15 e 16 de
agosto de 1942.
A costa de sergipana foi lugar de lamentáveis acontecimentos
da história trágico naval brasileira e internacional, tais episódios se
transformaram em “tragédia sergipana”, Durante a Segunda Guerra Mundial, navios
foram torpedeados ao longo do litoral de Sergipe e Bahia. A barbárie foi tanta,
que comparando o número de mortos, se constata que morreram 1.051 pessoas
decorrentes de ataques a navios mercantes brasileiros no período total da
guerra (1939-1945). Entre todas as vítimas provenientes dos ataques aos navios
mercantes brasileiros, 579 vidas foram ceifadas em águas costeiras sergipanas
entre os anos de 1942 e 1943, representando mais da metade de todas as mortes
brasileiras no mar. Tão grande foi peso da injuria que ela foi combustível para
o rompimento diplomático com o Eixo. Isso foi encarado como uma declaração
brasileira de guerra ao nazifascismo, seguiram-se a isso o reconhecimento do
Estado de beligerância em todo território nacional (22 de agosto de 1942) e na
Declaração Brasileira de Guerra à Alemanha e à Itália (31 de agosto de 1942).
A Repercussão dos Ataques.
O que se quer mostrar é a memória coletiva do povo de
Aracaju para perceber como os impactos causados pela Segunda Guerra Mundial
influíram na vida das pessoas, como o ataque dos U-boots repercutiram no
cotidiano da cidade no período belicoso. A história dos torpedeamentos dos
navios mercantes gerou centenas de mortos, dezenas de sobreviventes
traumatizados, população costeira amedrontada e um clima de insegurança
generalizado, configurando assim, o estado de beligerância nas águas
territoriais do Brasil, e mais tarde, a declaração varguista de guerra à
Alemanha e à Itália.
Em decorrência dos ataques ocorreram na capital sergipana
atos de hostilidade e intimidação contra imigrantes estrangeiros e
descendentes; dificuldades de exportação e importação; escassez de uma série de
produtos; crise no abastecimento dos combustíveis; o aumento do custo de vida,
entre outras ações tomadas pelas autoridades públicas visando controlar a vida
da população. Tudo isso em virtude do constante receio dos ataques ou até de
submarinistas, depois que navios brasileiros começaram a ser afundados no
Oceano Atlântico por submarinos alemães e italianos.
A campanha submarina do Eixo no Atlântico Sul, trazida pela
Segunda Guerra, passou a ter um valor significativo para os brasileiros a
partir de 1942 com as implicações causadas às investidas dos U-boots, que
causaram enormes perdas navais brasileiras.
O U-507.
O maior expoente dessa situação foi a presença do submarino
alemão U-507, cuja ação na costa de Sergipe levou o Brasil à guerra devido a
sua grande efetividade e foi relatada aqui no blog. O U-boot criou na
população, a partir do dia 15 de agosto de1942, um medo coletivo da costa do
Brasil, quando o U-507, capitaneado pelo alemão Harro Schacht torpedeou, em
Sergipe, sequencialmente as seguintes embarcações: Baependi, Araraquara e
Aníbal Benévolo. Os êxitos do U-507 que causaram a morte de centenas de
brasileiros ganharam notoriedade na Alemanha nazista. Já na vida cotidiana da
capital se Sergipe o U-boot esteve nas conversas de bar, nos jornais, nas
rádios, em cada um dos lares da cidade.
O conjunto dos navios soçobrados pelo submarino alemão
U-507, entre o litoral de Sergipe e da Bahia, representou um dos momentos mais
dramáticos vividos pelos brasileiro, a população ainda se imaginava neutra e
distante do conflito global, mas com o torpedeamento, esse pensamento mudara,
haviam sinais de que a guerra tinha chegado ao país. Os inimigos estavam
infiltrados e precisavam ser combatidos por um lado, por outro, o Brasil também
se tornava inimigo dos alemães e italianos.
Além da história política e militar, percebe-se que essa
catástrofe ficou na memória da população por causa dos resultados das investida
do submarino. Chegam até a costa os símbolos da batalha naval: sobreviventes
desesperados, corpos deteriorados, mercadorias avariadas, destroços do barco,
pertences dos passageiros e tripulantes. Era um desdobramento do conflito que
feria amigos e parentes, o que era anteriormente distante se tornava uma
realidade para a sociedade sergipana. Os submarinistas estrangeiros se
movimentaram livres pela costa, afundando navios, como também, matando famílias
inteiras ou deixando outras incompletas. Muitos moradores não tinham
dificuldades em identificar um parente ou um conhecido que desapareceu vítima
do submarino alemão U-507.
Os ataques do submarino alemão U-507, capitaneado pelo
alemão Harro Schacht, foram registrados próximos à terra firme. Por causa disso
os sergipanos tinham que lutar contra inimigos escondidos debaixo d’água, aos
quais não tinham a menor ideia de como se defender, a qualquer momento prestes
a atacar ou a desembarcar a "máquina infernal". Travaram-se batalhas
contra o desconhecido, o estranho, o invisível. Essa revelação macabra,
alimentada por informações provenientes de relatos jornalísticos das agências
internacionais ou dos programas radiofônicos, assustou os aracajuanos.
Manchetes da imprensa sergipana diziam: “a guerra já chegou entre nós”,
“selvageria sem precedentes”; “metralhados nossos patrícios”; “o Aníbal
Benévolo foi partido ao meio”; “Sergipe nunca em sua vida presenciou cenas tão
tristes como nestes dias”. “De luto o Brasil. Reina a consternação em todo
território sergipano”; “atentado vil e covarde contra nossa soberania”; “as
incríveis barbaridades do nazismo”; “a nefanda ação do eixismo”; “não há mais
que esperar, Brasil!”.
As notícias não demoram a chegar ao cais do porto de Aracaju
trazidas por pescadores. As informações dos sucessivos naufrágios causara
profunda consternação entre os aracajuanos a ver o submarino como uma ameaça
real às suas vidas. Os U-boots simbolizavam maior perigo às unidades da Marinha
e aos pescadores oceânicos, mas não às cidades, povoados ou colônias de
pescadores. Porém a constante chegada de informações causava medo coletivo que
evidenciava que a população costeira não tinha um entendimento pleno sobre o
alcance da navegação submarina.
O navio depois alvejado, em poucos minutos era engolido pelo
mar. Mas para os sobreviventes e o restante da população, esse “tempo curto” se
transformou em “longo trauma”. As memórias dos náufragos foram apropriadas
pelos moradores da zona litorânea. O que ficou foi relatos dos feridos chegando
macilentos e esfarrapados vítimas da tragédia que refletia nos olhos cheios de
espanto e angústia.
Cadáveres que chegam às praias sergipanas, com olhos de quem
morreu cheio de espanto. O cheiro de putrefação dos cadáveres que grudava nas
roupas de quem tentava ajudar. O que se construiu naquelas mentalidades foram
imagens terríveis nas praias alimentadas pelo medo do desconhecido, pelas
histórias dramáticas dos náufragos e da gravidade das ocorrências bélicas. A
costa sergipana ganhou a fama de ser “um lugar de submarinos”. Os marinheiros
brasileiros passaram a temê-la com razão.
Os Inimigos Entre Nós.
Em meio ao caos gerado pelo perigo representado pelo
submarino, os sergipanos encontraram outros culpados em seu cotidiano: o
quinta-coluna, os camisa-verde, o boateiro e o espião. Nessa batalha contra
esses, o imaginário social criou o clima de desconfiança.
Acreditava-se que o quinta-coluna agia sorrateiro no
interior da sociedade brasileira a favor do Eixo. Após o afundamento dos
navios, o espírito de retaliação enfardou milhares de homens e mulheres do
Brasil. Era evidente a ação de células de espionagem do Eixo no Brasil, mas o olhar
de desconfiança social estava impregnado de inveja, de intolerância, de raiva,
de cobiça, de preconceito, de oportunismo, de prazer, de retaliação e não
apenas de dever patriótico, como afirmava o DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda). Isso incentivou a perseguição a grupos suspeitos e discriminar os
estrangeiros taxados de “eixistas”. A aversão dos aracajuanos se voltava
principalmente sobre os estrangeiros, destacando-se principalmente os italianos
e alemães. Cidadãos de origem estrangeira que foram presos em Sergipe acusados
de pertencer a Quinta Coluna.
Um estrangeiro, ou suspeito de “quintacolunismo” corria
sérios riscos de agressões, tanto físicas, quanto morais, podendo até mesmo
temer por suas vida. Diversos estragos também foram feitos em residências de
estrangeiros. As agressões partiam de grupos isolados ou conjuntos, feitas na
maior parte das vezes por estudantes secundaristas do colégio Atheneu
Sergipense.
Esse temor serviu para fortalecer a ditadura do Estado Novo.
Nesses tempos difíceis de ditadura varguista, a tragédia naval foi apropriada
pelo DIP a fim de promover o governo, ao explorar o fervor patriótico: “Sergipe
contribuiu para o fortalecimento da unidade nacional” ou “o Brasil é um só”.
Os Ataques.
Em cada torpedeamento, a história não se repetiu, pois o
evento bélico se revestiu de dimensões implícitas, envolveu diferentes tipos de
barcos, apresentou circunstâncias espaciais singulares e contou com
experiências individualizadas e coletivas. Entre os dias 15 e 16 de agosto de 1942,
período em que foram afundados os navios Baependi, Araraquara e Aníbal Benévolo
pelo submarino alemão U-507, foram perdidas 549 vidas. Em 1943, novamente,
outros navios foram alvos da ação de U-boats nas águas de Sergipe, ocasionando
mais 30 mortes. No dia 1º de março desse mesmo ano, na altura da foz do rio
Real, foi torpedeado o navio de bandeira norte-americana Fitz-John Porter pelo
submarino alemão U-518, havendo duas mortes. O Bagé foi o último mercante a ser
torpedeado em Sergipe. No dia 29 de julho de 1943, o navio mercante foi
afundado pelo submarino alemão U-185, perecendo 28 pessoas nesse ataque.
O que mais causou comoção aos aracajuanos foi o naufrágio do
Aníbal Benévolo que seguia em viagem oceânica rumo à cidade de Aracaju. Todos
sergipanos a bordo do vapor morreram no ataque nazista, criando um luto
coletivo e duradouro, devido ao fato de nenhum conterrâneo ter sido localizado.
Os naufrágios ocorridos na costa sergipana foram extremamente tocantes no
Estado. Centenas de corpos chegaram às praias, junto com poucos sobreviventes.
Os principais remanescentes desses naufrágios localizados até os dias atuais
foram os restos mortais humanos que chegaram às praias sergipanas em 1942.
A população se aterrorizava com a suspeita de que os
submarinistas alemães soubessem da rota naval até o porto da cidade. Embora a
ameaça fosse invisível, alterou a rotina dos aracajuanos que se sentiam
condição de vítimas da Guerra Submarina. Segundo a imprensa local, os inimigos
do lado do Eixo poderiam estar em todos os pontos do mar brasileiro esperando o
momento de atacar pela traição, de afundar navios, de matar brasileiros.
Enquanto as investidas dos U-boots não cessavam, os civis
contribuíram com a campanha antissubmarina. A defesa da costa de Sergipe se
tornou questão de Segurança Nacional. A Marinha do Brasil orientava para que se
montasse um Sistema de Defesa Passivo, que influenciava diretamente na
sociedade aracajuana. No âmbito militar montou-se uma vigilância costeira,
postos de observação foram montados na região litorânea que foi reforçada com a
chegada de tropas baianas e gaúchas, além dos marines americanos que realizaram
a patrulha antissubmarina. No âmbito civil, pilotos civis auxiliavam buscas
pelos náufragos. Os aracajuanos tinham ordens estritas de não cortarem os
extensos manguezais que rodeavam o município de Aracaju para manter as
barreiras naturais para dificultar o acesso à capital sergipana, caso tropas
inimigas desembarcassem nas praias locais. Também instituiu-se o blecaute para
que a cidade de Aracaju ficasse invisível as ameaças.
Na iminência de um desembarque inimigo, temor da invasão
estava presente até nas autoridades locais, que exigiam em nome da defesa,
disciplina e rigor no cumprimento das normas de segurança. Isso gerou episódios
de extrema violência por parte da polícia. Veio também o racionamento do
querosene, a norma não surtiu efeito porque a madeira era um dos gêneros de
primeira necessidade nos lares mais humildes em Aracaju.
Porém, o ponto mais agressivo das restrições foi a proibição
dos civis de se apropriarem dos salvados, pois havia uma “cultura dos
malafogados”. A palavra malafogado, era tudo aquilo que não tinha afogado
completamente, que voltava à tona, trazendo, porém, a marca do mal da grande
tragédia marítima. O material recolhido pelos militares foi destinado para a
Capitania dos Portos ou para o 28º Batalhão dos Caçadores.
Durante esse período Sergipe não contava com um sistema
ferroviário eficiente e com as estradas de rodagem interestaduais inexistentes.
Veio o súbito cancelamento das operações destinadas à movimentação de
mercadorias de terra para bordo ou dos saveiros para os navios a vapor, ou das
embarcações para terra. O comércio estagnou e a safra açucareira nos trapiches
ribeirinhos foi junto com ele asfixiado pelo isolamento naval. As imposições causadas
pela conjuntura e pelo quadro de penúria que a população vivia em virtude dela
motivaram trabalhadores a se unir às manifestações políticas. Assim como os
seus patrões, eles também utilizaram os jornais para protestar perante a
sociedade aracajuana.
Por fim, pode se constatar que a guerra dos U-boots impôs
preocupações militares, despertou conflitos sociais e diferentes sentimentos em
Aracaju. Mais do que afundar navios, a passagem dos submarinistas pela costa
criaram uma memória própria desse conflito mundial, pois a Guerra Submarina foi
e será sempre um misto de bravura e profunda crueldade.
REFERÊNCIAS:
CRUZ, L. A. P. & ARAS, L. M. B. A Cidade dos
Malafogados: O cotidiano de Aracaju durante a Guerra Submarina em Sergipe
(1942-1945). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo,
2011.
A guerra submarina na costa sergipana (1942-1945).
Navigator, V. 8 nº 15. Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da
Marinha, 2012.
“A guerra já chegou entre nós!”: o cotidiano de Aracaju
durante a guerra submarina (1942/1945). Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade Federal da Bahia, 2012.
PORTO, Otávio Arruda, Arqueologia marítima / subaquática da
2 Guerra Mundial: sua aplicabilidade no Brasil. Dissertação (Mestrado em
Arqueologia) – Universidade Federal da Sergipe, 2013.
Texto e imagens reproduzidas do blog:
mardoceara.blogspot.com.br
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 8 de dezembro de 2014.
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