Publicado originalmente no site Itabi Infonet (Museus em
Sergipe)*
Notícias: José Augusto Garcez, precursor da Museologia
Sergipana.
Enviado por Prof. Fábio Figueirôa em 11/12/2010
No mês de maio, período em que se comemora a Semana de
Museus no Brasil, faz-se necessário resgatar fragmentos da história de um homem
que contribuiu significativamente para o desenvolvimento e formação do
pensamento museológico sergipano.
De acordo com a museóloga Cristina Bruno, “a construção da
memória da Museologia é uma tarefa que não pode ser realizada, muitas vezes,
sem o estudo biográfico e a análise da produção de seus principais
protagonistas” (Bruno & Neves. Museus como agentes de mudança social e
desenvolvimento. São Cristóvão: Museu de Arqueologia de Xingó, 2008. p. 23).
Esse é o caso da Museologia sergipana, pois a trajetória do colecionador e
museólogo José Augusto Garcez, se entrelaça com a história cultural do Estado
de Sergipe, principalmente nas décadas de 1940 e 1950 do século XX, onde
exerceu uma forte influência para o desenvolvimento dos nossos museus.
Nascido em 1918, na Usina Escurial (São Cristóvão), filho de
Silvio Sobral Garcez e Carolina Sobral Garcez, iniciou seus estudos secundários
no Colégio Tobias Barreto, concluindo-os no Colégio Maristas, em Salvador. Mais
tarde, ainda na Bahia, iniciou o Curso de Direito, que, por motivos de saúde,
não chegou a concluir. Foi nesse momento de fragilidade física que, Garcez
conheceu o médico Prado Valadares, de quem se tornou amigo e a quem dedicou um
interessante texto biográfico, em 1938. Iniciando sua atuação como articulista,
aos 20 anos, Garcez passa a contribuir com vários jornais na Bahia, no Rio de Janeiro,
em São Paulo e, sobretudo, na imprensa sergipana.
Intelectual atuante e aficionado pelo universo da cultura,
José Augusto Garcez fez parte de mais de uma dezena de instituições culturais,
dentre elas o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), a Sociedade
Brasileira de Folclore, a Associação Sergipana e Brasileira de Imprensa.
Ingressou na Academia Sergipana de Letras em 15 de novembro de 1972,
tornando-se o ocupante da cadeira de número 22. Em 1953, fundou um dos mais
importantes movimentos culturais do Estado, o Movimento Cultural de Sergipe,
responsável pela edição de dezenas de livros, chegando à década de 1960, com 37
volumes publicados, revelando e destacando grandes nomes da literatura
sergipana.
Imbuído do desejo de musealizar as raízes culturais de
Sergipe, José Augusto Garcez fundou, em 1948, e manteve com recursos próprios,
o “Museu Sergipano de Arte e Tradição”, o qual foi detentor de um grande acervo
referente à cultura material de Sergipe, resultado de coletas feitas em suas
viagens pelo interior do Estado. A partir de suas ações museológicas, Sergipe
passa a se destacar no quadro da museologia nacional, acompanhando o período de
efervescência do surgimento dos Museus de Arte Moderna. Nesse sentido, Maria
Cecília Lourenço informa que, naquele contexto, “nem todos [os museus] são
chamados de Museu de Arte (...). Outros contêm em sua denominação Museu de Arte
e Tradição, como os do Estado do Sergipe, sediados em Aracaju (1948) e na
cidade de Itaporanga D’Ajuda” (LOURENÇO. Museus Acolhem Moderno. EdUFS, 1999,
p.89).
Foi no Museu de Arte e Tradição que o intelectual preservou,
pesquisou e comunicou parte do patrimônio salvaguardado. Mesmo funcionando em
um espaço inapropriado, o que limitava a expografia e dava um aspecto de grande
reserva técnica ou depósito, a instituição cumpriu suas funções museais,
conferindo-lhe destaque diante de sua funcionalidade e sendo bastante visitado.
Foi nesse cenário que ocorreu um progressivo desenvolvimento das pesquisas e
estudos da cultura material sergipana, desdobrando-se em algumas publicações, a
exemplo de “Canudos Submersos” (1956), “Holandeses em Sergipe” (no prelo), “O
destino da Província” (1954), dentre outros. Sua casa tornou-se um centro
irradiador do pensamento museológico sergipano, sendo sua coleção uma chave
reveladora para o seu entendimento, através da qual seus estudos construíam,
reconstruíam e desconstruíam versões pautadas no processo da pesquisa de
documentação museológica.
Como reza o ditado popular, “costume de casa vai à praça”,
assim fez o colecionador, extrapolando para além da sua residência, os
conhecimentos museológicos. Sabedor do poder do rádio, enquanto instrumento de
educação e expansão da cultura, Garcez criou o programa “Panorama Cultural”, em
1949, na antiga Rádio PRJ 6, o qual se caracterizou pela divulgação das
atividades de pesquisa desenvolvidas no âmbito do Museu de Arte e Tradição,
entre elas poesia, literatura brasileira e sergipana.
Garcez foi o idealizador do Serviço de Pesquisa e
Documentação Cultural-Científica, cuja função era resgatar documentos que
versavam sobre a história sergipana, criando, também a Biblioteca Popular
Tobias Barreto, fatos que atestam as idéias do colecionador em ressaltar os
valores culturais de Sergipe.
Atuando em vários planos da Museologia, Garcez foi da prática
à teoria com o seu livro “Realidade e Destino dos Museus” (Aracaju: Livraria
Regina, 1958), sendo o responsável por uma obra pioneira de análise crítica e
comparativa das primeiras instituições museológicas do Estado de Sergipe.
Através da sua leitura é possível perceber a sua insurgente atuação em prol da
cultura sergipana, sobretudo no campo Museológico, reivindicando melhorias para
os nossos museus e, até mesmo, a criação de um museu para a cidade de Aracaju.
Partindo dessa breve análise da atuação de Garcez, podemos
concluir que a sua preocupação com a musealização da memória cultural de
Sergipe e a sua atuação prática – fazendo do Museu Sergipano de Arte e Tradição
o primeiro espaço que efetivamente desenvolveu as funções básicas de uma
instituição museal: a preservação, pesquisa e comunicação – torna-o precursor
do pensamento museológico sergipano. Em 1976, parte da sua coleção foi vendida
para o governo do Estado e passou a compor os acervos do Museu Histórico de
Sergipe (São Cristóvão), do Museu Afro-Brasileiro de Sergipe (Laranjeiras) e do
Arquivo Público Estadual, em Aracaju.
Em 12 de janeiro de 1992, aos 74 anos, José Augusto Garcez
faleceu em Aracaju. Na ocasião, Luiz Antônio Barreto destacou que: “mais do que
a foto antiga repleta de mortos, fica a memória, o gesto (...) abençoa[n]do a
todos que buscavam na sua casa - mais que uma casa, um refúgio e um museu - o
contato e o convívio da intimidade que a cultura sempre fez possível, pela
linguagem do mesmo fazer” (José Augusto Garcez, um estranho homem. Revista do
IHGSE. N° 31, 1992). Assim, entre os que fazem a Museologia sergipana hoje,
resta uma dívida para com Garcez, homem cuja obra pode e deve ser resgatada e
discutida.
Texto: Cláudio de Jesus Santos (Acadêmico do curso de
Museologia e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em História das
Mulheres da Universidade Federal de Sergipe).
* O site Museus em Sergipe é uma publicação dos alunos do
curso de Museologia, realizado como projeto final da disciplina Tópicos
Especiais em Educação e Comunicação em Museus, sob a coordenação do Prof. M.Sc.
Fábio Figueirôa. E-mail: museusemsergipe@infonet.com.br
Texto reproduzido do site: itabi.infonet.com.br
Foto reproduzida do blog:
ensaiosmuseologicos.blogspot.com.br
Publicação originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 01 de dezembro de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário