Publicado no SEC Blog, em 12 de janeiro de 2010.
Os 70 Anos de Leonardo Alencar
Por Gil Francisco*
Leonardo Alencar é um artista que produz arte da melhor
qualidade técnica. Além de ter realizado várias exposições individuais, possui
trabalhos em diversas instituições do Estado e telas espalhadas pelo mundo.
Esse ano, completará 70 de existência e em abril estará expondo suas obras na
Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, além de folhinha, agenda e
calendário publicados pela Segrase,- Serviços Gráficos de Sergipe, uma amostra
significativa do artista nesses 50 anos de trabalho que passaram a enriquecer
cada vez mais a memória nacional.
Nascido em Estância a 7 de abril de 1940, filho de Eurydice
Fontes de Alencar e Clodoaldo de Alencar (1903-1977), poeta e membro da
Academia Sergipana de Letras. Seu interesse pela pintura nasceu da admiração
pela obra de Jordão de Oliveira (1900-1980), que em 1959 promoveria sua
primeira exposição no Rio de Janeiro. Para incentivá-lo, Jordão levou várias
figuras das artes plásticas brasileira para visitá-la, entre elas Oswaldo
Goeldi, que elogiou principalmente seus desenhos. Muito ele deve a J. Inácio e
aos irmãos Álvaro e Florival Santos, que na década de 40/50 chamavam a atenção
com telas impressionistas (em arte, tendência geral a transmitir as impressões
fugazes e a mobilidade dos fenômenos, mais do que o aspectos estável e
conceitual das coisas) e abstracionistas (tendência natural do homem a dar às
abstrações um valor real, igual ao das realidades concretas).
Envolvido com o movimento cultural sergipano desde cedo, foi
membro da Arcádia Literária do Colégio Atheneu Sergipense. Na década de 60, foi
convidado por Jenner Augusto (1924-2003), para ajudá-lo na pintura do painel
que retrata a "Chegada da Família Real no Brasil", no restaurante do
Hotel Pálace de Aracaju, removido para o Teatro Atheneu. Orientado na pintura
pelo mestre Florival Santos, antes de viajar para Salvador, Leonardo Alencar
foi discotecário da Rádio Cultura de Sergipe, onde produziu e preparou textos
para o rádioteatro: O Diário de Anne Frank e A Guerra dos Mundos, do norte
americano Orson Welles. Em Salvador, para complementar as despesas do estudo,
trabalhava como vitrinista de várias lojas da Baixa do Sapateiro. Mais tarde
como caricaturista do jornal A Tarde e ilustrador do Jornal da Bahia, além de
colaborar como desenhista no jornal comunista, Novos Rumos.
Chegando a Salvador em 1961, participa de vários cursos na
Escola de Belas Artes, entre eles o de gravura e na Escola de Teatro da Universidade
Federal da Bahia, cursa cenografia, logo depois foi levado pelo conterrâneo
Nélson de Araújo e passou a ser professor de artes visuais na Escola de Teatro
da UFBA e um dos organizadores da 1ª. Bienal Nacional de Artes Plástica na
Bahia, em 1966. Pertencente ao séquito do romancista Jorge Amado, Leonardo
Alencar passou a conviver com os sergipanos, Jenner Augusto e Zé De Dome e os
baianos, Calasans Neto, Sante Scaldaferri, Mário Cravo, Carlos Bastos, Kennedy,
Raimundo Oliveira, Lênio Braga, Genaro de Carvalho, Ângelo Roberto, Emanuel
Araújo, Mirabeau Sampaio e os radicados baianos, Floriano Teixeira, Caribé e
Hansen Bahia.
Na década de 60 participa ativamente da vida intelectual
baiana, realizando várias exposições e novos trabalhos, como a decoração do
Thom Bar, em 1966, que ficava na Rua Chile no coração da velha metrópole
colonial. O espaço, misto de bar-restaurante, de casa noturna, de salão de
exposição visual e palco de espetáculo artístico. Entrevistado na época,
Leonardo diz: "Independentemente da pintura, às vezes, atendo solicitações
de amigos, faço uma espécie de decoração integrada, como fiz recentemente para
o Thom Bar, baseada em elementos góticos, ou seja, uma tentativa de aliar
elementos a uma decoração de vanguarda". Leonardo é "pintor de todas
as coisas deste mundo, extraordinário fixador de imagens, da natureza e da
realidade do mundo corpóreo, como um verdadeiro humanista", afirma o
crítico de arte Carlos Eduardo da Rocha.
Ainda nos anos 60/70, Leonardo esteve presente nos fins de
tardes no Bar Cacique, assistindo o por do sol adormecer na Baía de Todos os
Santos, ou nas grandes noitadas entre os pintores da confraria da boate
"Anjo Azul", situada no início da estreita Rua do Cabeça a caminho do
Largo 2 de Julho, a poucos passos do casarão de Carlos Bastos. O Anjo Azul era
um paraíso todo decorado por Carlos Bastos, um lugar apertado, onde se reuniam
os gays mais snobs, intelectuais e artistas, para tomar "xixi de
anjo" que era servido em piniquinhos de barro.
Sua primeira fase pode afirmar que é o expressionismo,
período em que transpôs para a tela as dunas das praias sergipanas e baianas.
Somente mais tarde privilegia o traço, as cores puras, a paisagem e a
libertação emocional, passando a retratar os símbolos cristãos como o peixe, as
aves, os felinos e os motivos da vida diária. Suas obras (aquarelas, desenhos
em bico de pena e acrílica sobre tela), famosas e estilizadas por arlequins
(indivíduo irresponsável, provocador, valentão, fanfarrão, brigão); colombinas
(figura participante de um triângulo amoroso) e pierrôs (personagem da comédia
italiana, cuja feição é ingênua e sentimental): o arlequim não existe sem o
pierrô: o pierrô não existe sem o arlequim, e ambos não existem sem a
colombina. Por isso todos estão sempre presentes em suas telas, é algo
transcendental.
Quando, ingressei, no segundo semestre de 1971 no curso de
desenho da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, tive como
professores Riolan Coutinho (irmão do cientista Elsimar Coutinho), Manoel
Bonfim (Ogan do Candomblé de Mãe Menininha), Luiz Gonzaga (vencedor dos
concursos carnavalescos), Juarez Paraíso, renomado artista plástico (na época
casado com Edsoleda Santos), Mário Mendonça (arquiteto) e Ivo Velame (diretor
da Escola, casado com Malba, filha do poeta Mário Cabral). Na Escola,
reencontrei velhos colegas do tempo do Instituto Central de Educação Isaias
Alves - ICEIA, como o renomado estilista Ney Galvão (1952-1991), morto
prematuramente aos 39 anos no auge da carreira, e meu professor de desenho industrial,
no Centro Integrado Luiz Tarquínio, o peruano Ruan Bautista Antonioli Levano,
atualmente residindo nesta cidade.
Via sempre Leonardo almoçando nas cantinas do casal
Olegário/dona Cotinha na Escola de Teatro e em Belas Artes na cantina de dona
Hildete Cantalino ou entrando e saindo apressadamente dos barracões de aula,
mas nunca cumprimentei, muito embora já tivesse conversado a seu respeito com
Nélson de Araújo. Nossa amizade começaria anos depois, por simples
coincidência, num dos encontros domingueiros em Itapoã, na casa do poetinha
Vinícius de Moraes e sua companheira a atriz baiana Gessy Gesse.
Foi uma tarde memorável, regada a música, conversas sem
pauta, muitas doses de whisk, variadas batidas de Deolino e algumas tragadas de
mariruana, sem falar na moqueca de vermelha, com azeite dendê, molho de pimenta
e a moqueca retada de siri, feita com a receita de Floripedes aquela mulher de
Vadinho, personagem de Dona Flor e seus dois maridos, romance de Jorge Amado.
Presentes Sante Scaldaferri, Caribé, Calá, Solon Barreto, o percussionista de
alguns terreiros de candomblé e músico de Caetano Veloso, Djalma Correa, que
dirigia um velho buggy para o poetinha, alguns convidados do Rio e o poeta
criador do ijêxá, Ildásio Tavares, que insistia para continuarmos a farra em
sua residência, uma quadra depois de onde estávamos. Foi neste ambiente etílico
que o mago Leonardo Alencar surgiu para mim, falando pouco e bebendo muito,
revés de Ildásio Tavares que não bebia por tomar medicamentos controlados,
falava excessivamente, esbravejava, agredia, ridicularizava todos, com
epigramas fesceninos, era seu jeito incômodo. Mas Vinícius adorava-o, passava a
mão pela cabeça, pois havia gravado com Toquinho e Maria Creusa um dos seus
maiores sucesso, "Catendê", no Lp Eu sei que sou te amar, 1972.
Em 1971 Leonardo Alencar recebeu uma bolsa para atuar na
Europa como artista, e fixa residência em Londres, desenha para a revista Time
Out. Em 1974 retornou ao Brasil, passando a residir em Salvador até a década de
80, quando voltou à Aracaju. Este estanciano que chega aos setenta anos,
astronauta de vidro que vive no espaço, cuja luminosidade se expande em cores,
qual pássaros docemente pousados, pinta como se não existisse o tempo, um tempo
que se organiza em torno do presente. Residindo em Aracaju desde 1998 fui
guiado pelo jornalista Paulo Afonso Cardoso da Silva, para reencontrá-lo e
chorar todas as minhas mágoas, por ele ter abandonado a Bahia. Houve um tempo
em que passávamos os fins de tardes no Boi Gordo, com Alfredo Mallet, Chico
Queiroga, Antonio Rogério, Cida, Fátima, em prosa e riso. Recentemente
reaproximamos para realizarmos o projeto editoria “Lampião no Noticiário
Oficial”, que lhe coube a empreitada da capa e ilustrações do livro.
Ultimamente são esporádicos nossos encontros, mas já foram assíduos. Hoje é
possível encontrá-lo na Aruana, no Atelier 22, do amigo aquarelista, Alfredo
Mallet, um cantinho para saborear bons petiscos.
Pintor de copiosa produção e imaginação prodigiosa, tudo
isso resultou um estilo de viver, melhor, uma específica forma de aproximação
com o mundo. Sua arte é de berço, o que lhe confere, sem favor, a dignidade
plena de mestre da pintura, dono de um talento e uma técnica invulgar.
Leonardo, falar do que se ama é falar sobre si mesmo. Suas magníficas pinturas
são de um refinamento, de uma lenta elaboração, de um requinte assegurado
através de uma simplicidade. Há em sua pintura um mundo de silêncio, onde o
sofrimento é uma sombra que é preciso exorcizar. É uma pintura luminosa e
iluminadora da visão contemporânea, capta a grandeza do mundo cotidiano e dela
extrai a beleza límpida e despojada com suas aquarelas, cuja estrutura íntima
e, ao mesmo tempo, mais vibrante de vida, de intensidade e movimento, demonstra
o seu maior segmento, sua visão do mundo que é de alegria e esperança. A
simbologia é um desdobramento de uma temática recorrente em sua pintura, que
incorporam as soluções plásticas do expressionismo e do impressionismo, somadas
à temática social muito participante.
Nacionalmente conhecido e proclamado, Leonardo está vivendo
um dos momentos mais felizes da sua carreira, desde que saiu da Bahia, onde
plantou raízes profundas, para passar a diante, subir mais um degrau e
confirmar seu fabuloso poder de comunicação e a sua humanidade da alma de cada
paisagem. Leonardo Alencar é, hoje, incontestavelmente, um mestre da pintura, o
maior entre os vivos sergipanos, pelo que sua obra representa para as artes
plásticas brasileira. Assim é que Leonardo convoca seu espectador, para que
entre em seu mundo e ajude a recriá-lo, recobrindo figura e paisagem, num ritmo
de paz que joga com sua prancha frágil, desprotegida, com seus instrumentos de
trabalho.
Nos anos 90 participou de exposições no Museu de Arte de
Brasília, em Rhode-Island, Estados Unidos, e na Assembléia Legislativa, em
Aracaju. Pertencente a Confraria dos Bibliófilos do Brasil desde 2003,
associação cujo objetivo é congregar pessoas que gostassem de livros, passou a
publicar edições especiais, e Leonardo Alencar está presente em duas destas. Ilustrou
(bico de pena) o livro do escritor mineiro Galinha Cega, Mansinho e Outros
Bichos, de João Alphonsus e Três Novelas da Masmorra, de Otávio de Farias,
ilustrando com duas dezenas de fantásticas xilogravuras.
Em 2006 o acadêmico e professor da Universidade Federal de
Sergipe-UFS, José Anderson do Nascimento, publica o livro-catálogo Metáfora dos
Arlequins, as cores na arte de Leonardo Alencar, patrocinado pela Unimed.
Segundo o autor, o livro foi concebido para atender todos os seguimentos e com
interesse na cultura em geral, o trabalho é centrado exatamente na visão
metafórica da pintura de Leonardo Alencar. O destaque é na fase mais atual do
artista plástico onde ele trabalha com a temática da comédia na arte italiana,
os nacionalmente carnavalescos Pierrôs, que guarda um amor platônico por
Colombina, que por sua vez inebria com carnal de Arlequim. Em outubro de 2009,
realizou mais uma exposição de sucesso durante o Congresso Nacional de Estudos
Jurídicos – Direito Civil e Processo Civil, quando ocorreu o lançamento da
Revista Técnico-Jurídica da PGE,( Procuradoria-Geral do Estado) Vol. VII, tendo
como capa a reprodução de uma de suas telas.
GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de
França
e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
gilfrancisco.santos@gmail.com
Postagem originária do Grupo de Facebook/Minha Terra é SERGIPE, de 01/10/2016.
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